Cara Simone;
Parece chegado o dia de darmos notícias ao coronel.
A necessidade de lhe escrever virá tão somente da distância e não do facto de algo de interessante se passar – mas de tudo se faz arte, na realidade. Vai ser preciso escrever muito ao coronel para que destes dias se faça alguma coisa, e não condená-los, logo de manhã, a serem esquecidos, assim á tardinha.
É verdade que noutros tempos os dias se iam passando, e fervilhavam de coisas boas e más e assim-assim, agora vão fervilhando de absolutamente coisa nenhuma, e é preciso fazer algo em relação a isso. O coronel merece.
Por aqui, cara Simone, os dias continuam iguais. Cheira escrupulosamente a amoníaco a partir das 08.00h. Almoça-se ao meio dia. Espera-se que o dia passe. Percorro metodiamente todos os procedimentos do dia, revejo-os, volto a revê-los, de modo a que o meu trabalho se vá consubstanciando em algo que valha a pena ir gastando os dias. Às vezes custa convencer-me disso.
Penso ser lugar-comum ir debitando azedumes, de isto e daquilo, de termos que trabalhar, de passarmos os dias acompanhados de pessoas que não são quem amamos de verdade; o termos que fazer sacrifícios quotidianos para continuarmos a estar e a gostar uns dos outros, de quem realmente importa, e não pelo resto. Mas estou também com uma pontinha de febre, isso desregula-me, sabe. Faz-me triste, dá-me um quê de mimos mal resolvidos aqui neste escritório cinzento. Se calhar vou-me sentar ao colo de alguém, e pedir cafuné.
Ninguém, no fundo, repara em mim, aqui, cara Simone.