Apanho, amiúde, momentos de rara beleza radiofónica, no Posto de Escuta do RCP.
Ouvia, de forma pedante, como sempre, as velhinhas solitárias e cheias de doenças, até que uma senhora, na casa dos cinquenta, intervém. Falou-nos do facto de estar desempregada, da dificuldade em arranjar novo emprego, do fim próximo do subsídio de desemprego. Surpreende-nos, páginas tantas, com o seu desejo antigo de ser estafeta da TVI. "O meu sonho é conduzir um carro da TVI daqui para ali". Perdi-me momentaneamente de deleite, agradeci ao meu país por me proporcionar tais momentos de regozijo baseados no sofrimento e no ridículo alheios.
(fim da 1ª parte)
No fim da chamada, a locutora informa a senhora de que alguém havia contactado a produção para lhe oferecer uma oportunidade de trabalho.
De repente, a realidade nua e crua de um país depauperado, à beira do cataclismo social, está repleto de gente desempregada, sozinha e desesperada, com sonhos estranhos, é certo, com formas de falar bizarras, é certo, atingiu-me mesmo na cara, e corei sozinha de vergonha. Aquela senhora, a poucos meses de ficar sem subsídio de desemprego, sozinha, sem habilitações, recorre desesperadamente à rádio, e algo acontece. E a única coisa que me ocorreu foi a bizarria daquele desejo da ser estafeta da TVI. O pedantismo foi automaticamente substituído pela colherada semanal de humildade.
Mas ali no fim da A5, mesmo naquela última curva que tem que se fazer a 60, também isso me passou.